ZÉ DO TELHADO




Zé do Telhado


Das muitas histórias que desde pequeno fui ouvindo, uma houve, que sempre me fascinava nesses meus tempos de criança.
A história sobre Zé do Telhado.
Nessas narrativas, sempre o rotulavam como sendo um amigo dos mais necessitados, por quem distribuía parte do espólio que roubava aos abastados!
Roubava aos ricos, para dar aos pobres!
Um dia, falando com Isidoro Lagarto sobre essas histórias, ele contou-me, conforme o seu pai lhe havia transmitido, um episódio referente a um assalto passado aqui pelos nossos sítios, mais concretamente perto da Palhota.
Com hipótese de ver de perto esse local de actuação de Zé do Telhado, consegui a colaboração de Isidoro Lagarto que conhece bem melhor que eu a zona e as pessoas que iriamos contactar.
A história que havia ocorrido algures perto do nosso sítio, valia bem o empenho que certamente   iriamos dedicar -lhe.                                                                                                                                                               


Assalto à taberna de Manuel Pais
Manuel Pais, taberneiro, morava um pouco abaixo do lugar da Palhota, a pouco mais de um quilómetro do limite do lugar, no sentido de Areias Gordas.
A sua casa ficava paredes-meias com a taberna que explorava, mas mesmo assim o taberneiro Pais foi assaltado e só se apercebeu de manhã.

Esse assalto é contado como sendo a actuação da quadrilha de Zé do Telhado aqui na nossa área.

Exactamente a mesma ideia com que nesses longínquos tempos de finais da década de 50, eu havia ficado sobre a zona onde actuava “Zé do Telhado”, conforme as histórias que me contavam.
Para a confirmação desse episódio passado com o taberneiro Manuel Pais, fui na companhia de  Isidoro Lagarto falar com um morador na zona onde ocorreu o assalto, de nome Diativo Alegria que por essa altura já ultrapassaria os 80 anos de idade.
O pai do  Diativo era o cabo de aviso na zona da Palhota à época do acontecimento, e chamava-se Manuel da Costa Alegria. (O cabo de ordens chamava-se Casimiro Maia).

Eis o que nos contou o amigo Diativo Alegria.
- «Uma noite, alguém fez um buraco numa das paredes da casa de Manuel Pais. Só de manhã, quando se levantou, o taberneiro Pais deu conta de que havia sido assaltado.
Manuel Pais, vivia no lado da estrada dos espanhóis que pertence à freguesia de Palmela, portanto no lado direito, indo no sentido  nascente.
Quase em frente, no lado oposto da estrada, em território pertencente à freguesia de Pinhal Novo, vivia Manuel da Costa Alegria, o cabo de aviso. Foi só atravessar a estrada dos espanhóis e o taberneiro Manuel Pais estava a pedir ajuda ao vizinho Manuel Alegria.
Depois de trocarem impressões sobre o que fazer, resolveram seguir o rasto deixado pelos 
assaltantes. Meteram-se ao caminho e foram sempre calcorreando o terreno, até ao vale da Amieira. Por essas bandas, junto a uns silvados, encontraram um saco que continha roupas, que Manuel Pais identificou como sendo suas.
Entretanto, com o aproximar da hora de almoço, encaminharam-se para as Rilvas e dirigiram-se à taberna da tia Rita para comerem alguma coisa. Estavam a “matar” a fome quando entraram dois indivíduos que traziam calçadas alpargatas, que o Manuel Pais também reconheceu como suas e deu nota ao seu vizinho Alegria.
O cabo de aviso Manuel Alegria, arranjou maneira de passar recado ao posto da G.N.R. de Alcochete, tendo-se deslocado uma patrulha para tomar conta do assunto. A patrulha chegando à taberna, deu voz de prisão aos dois larápios os quais foram levados ao local onde tinham escondido o roubo que acabaram por confessar».
Este roubo terá acontecido em meados dos anos 40 do século XX.
Esta história correu de boca em boca como tendo sido da autoria da quadrilha de Zé do Telhado. No entanto; o amigo Diativo, julga que não foi a quadrilha de Zé do Telhado e está certo. O senhor Diativo Alegria, disse-nos que a quadrilha em questão seria a do Zé Rato .
Quando posteriormente procurei saber mais pormenores sobre a figura de Zé do Telhado, então ficou claro que as histórias que me haviam contado, não correspondiam ao sucedido.
Breve apontamento da vida de Zé do Telhado.
O seu nome correcto era José Teixeira da Silva, havia nascido a 22 de Junho de 1818 no lugar de Telhado, freguesia de Castelões de Recezinhos, Penafiel. Foi filho de Joaquim de Matos e de Maria Lentina. Os avós paternos foram Francisco de Matos e Maria da Silva e os maternos, Manuel Luís e Maria Lentina.
Aos 14 anos José Teixeira foi morar para casa de um tio, no lugar de Sobreira, que por essa época pertencia ao concelho de Lousada. Esse tio de nome João Diogo, era um homem alto, magro de farto bigode e exercia com mestria a lucrativa profissão de castrador e tratador de animais. Tinha uma filha  de nome Ana .           
O sobrinho José Teixeira, pediu ao tio João Diogo, para o receber temporariamente em sua casa, afim de aprender com ele a profissão de castrador.
Passados 5 anos o José Teixeira ainda estava com o tio, e mais, estava “embeiçado” pela prima.
Ana Lentina de Campos, correspondia ao amor do primo. Esta situação iria alterar toda a vida de José Teixeira, porque assim que o tio João soube do romance, “correu” com o sobrinho de sua casa. José Teixeira andaria por volta dos seus 18 ou 19 anos e estava na altura de ir às sortes.

Zé do Telhado – Herói do Exército, Ladrão dos Ricos e Justiceiro do Povo.
Este é o sugestivo título do jornal «O Setubalense», da autoria de Marques Pereira, editado em 8 de Julho de 1988. Essa resumida história que saiu no jornal é baseada num livro da autoria de José Manuel Castro, que segundo o jornalista, é a melhor fonte para que se fique com uma ideia sobre quem foi “Zé do Telhado”.

Lanceiro das Rainha
Serviu tropa no quartel de Cavalaria 2, nessa época chamado de Lanceiros da Rainha, na calçada da Ajuda em Lisboa.
No ano de 1837, em Julho, estalou a Revolta dos Marechais, que pretendiam restaurar a Carta Constitucional, opondo-se aos setembristas que defendiam a Carta de 1822. José Teixeira saiu na comitiva do duque de Saldanha, e mostrou a sua valentia nos combates de Chão da Feira e em Ruivães. Após a derrota, em 18 de Setembro, o general Schwalback, barão de Setúbal, que estava nos Lanceiros da Rainha foi forçado a emigrar para Espanha e levou consigo José Teixeira.
O casamento de José Teixeira
Alguns anos passados, o tio João Diogo deu finalmente o seu acordo para o casamento de sua filha Ana com o primo José Teixeira da Silva.
Casaram a 3 de Fevereiro de 1845, na igreja de S.Pedro de Caíde de Rei, concelho de Lousada.
A revolta de “Maria da Fonte”
Algum tempo depois, aconteceu uma outra insurreição. A revolta de “Maria da Fonte” que começou no mês de Abril de 1846, no lugar de Simões, da freguesia de Fonte da Arcada, Póvoa de Lanhoso e também contou com a participação de José Teixeira.
No livro «Memórias do Cárcere», da autoria de
Camilo Castelo Branco, editado em 1906, o autor escreve que;
«A populaça carecia de um chefe, e rejeitava os ilustres caudilhos que saíram de suas casas nobres a especular com o braço do povo. Conclamaram à uma José Teixeira, e quase o forçaram a comandá-los…. Entrou José Teixeira ao serviço da Junta na arma de cavalaria. Comprou cavalo, e fardou-se à sua custa a todo o primor. Acompanhou a expedição a Valpaços e foi dado como ordenança ao visconde de Sá da Bandeira. As proezas cometidas nessa temerosa e mal surtida batalha, estão escritas na condecoração da Torre e Espada, que o general por sua própria mão lhe apresilhou na farda».
A revolta de “Maria da Fonte”, que mostrara inicialmente tanta pujança e fulgor, veio a acabar sem honra nem proveito para as massas populares.
Feito o convénio de Gramido, José Teixeira arrancou as divisas de sargento e foi para casa.
José Teixeira era um “mãos largas” e já tinha muitas dívidas. Viu-se impiedosamente perseguido pelas autoridades que haviam saído vitoriosas e não lhe perdoavam ter feito parte da revolta de “Maria da Fonte”, arrasando-o com impostos e dificultando-lhe o exercício de qualquer profissão.
Retrato físico de “Zé do Telhado”.
Um homem muito bem constituído fisicamente, alto e forte. Tinha barba serrada, que usou durante grande parte da sua vida, descaindo em leque. Olhos e cabelo castanhos. Era muito ágil e especialista no jogo do pau e no manejo de armas de fogo.
O início de “Zé do Telhado” como chefe de salteadores.
Custódio, mais conhecido por “Boca Negra”, comandava um grupo de aventureiros.
O “Boca Negra” não ignorava a extraordinária força e habilidade de José Teixeira, a sua coragem, o seu destemor, a sua honestidade.
Desde há muito que o Custódio se esforçava por atrair as suas simpatias, e aproveitar o efeito desmoralizador da perseguição que estava a ser movida ao José Teixeira. O homem do Telhado estava em maré de grandes dificuldades financeiras, perseguido pelas autoridades concelhias que não o poupavam a hipotecas e impostos.
Um dia ao cair da tarde o “Boca Negra” encontrara o José Teixeira, e foi andando com ele pela estrada fora numa conversa quase muda, mais feita de silêncios que de palavras, respeitando assim o ar pensativo daquele que fora um bravo lanceiro da rainha.
- Eu compreendo-te José. Aqueles que servimos com dedicação, são os primeiros a abandonar-nos. Mesmo que tenham muito, tratam-nos mal e olham-nos com desprezo. Não era de mais tirarmos aos outros aquilo que nos devem. Sim! Porque os políticos, os ricos, e toda essa súcia que andou a servir-se de ti e de muitos outros para conseguirem os seus interesses, são agora os primeiros a não se importarem com aqueles que deitaram a perder.
O “Boca Negra” fez uma pequena pausa, tentando perceber o efeito das suas palavras, e depois disse, erguendo a voz:
- É de justiça tirarmos aos outros aquilo que nos devem.
Esta frase, arrancou o José Teixeira da apatia em que se encontrava. Levantou a cabeça e respondeu lentamente:
- Mas isso é um roubo!
- Um roubo? Protestou o “Boca Negra”. A mim quem mo deve tem de mo pagar!
Calaram-se. Ouvia-se ao longe o galopar de um cavalo.
- Escuta, disse o “Boca Negra”. Estou em crer que vem lá um dos que me depenou como a uma galinha...Costuma passar por aqui a esta hora. Mas agora virou-se para o novo Governo e tem tudo quanto quer...Olha! Esconde-te aí... e o “Boca Negra” indicou-lhe uns arbustos na berma da estrada, enquanto ele próprio corria a procurar refúgio no lado oposto.
A emboscada correu mal e o “Boca Negra” saiu gravemente ferido. Só a intervenção do José Teixeira lhe salvou a vida.
Nessa noite o “Boca Negra” tinha um assalto planeado mas com o ferimento sofrido, não podia comandar o assalto. Contra a vontade de um ou outro dos seus quadrilheiros, entregou o comando da quadrilha a José Teixeira, que pela primeira vez estava no grupo, iniciando assim a sua vida de chefe de salteadores e assim continuaria, porque o “Boca Negra” não mais recuperou dos ferimentos acabando por morrer. A partir dessa altura entrou em cena o “Zé do Telhado”.
O Repartidor Público
Após a tentativa do primeiro assalto, que se gorou devido à traição de um elemento do bando, que não queria aceitar o novo chefe, “Zé do Telhado” reuniu o grupo e determinou:
- De hoje em diante, a malta aqui reunida já não será um bando de ladrões. Eu só vou tirar aos que têm mais, para dar aos que têm menos. Proíbo que se tire aos pobres e àqueles que vivem honradamente do trabalho. De hoje em diante eu só estou aqui como repartidor público.
A prisão e o desterro
“Zé Telhado” foi preso a 5 de Abril de 1861. Julgado, e considerado culpado. A sentença aplicada foi o degredo perpétuo para África.
Chegou a Luanda e depois deslocou-se pelas províncias de Malange e da Lunda. Tornou-se negociante de borracha, cera e sobretudo de marfim. Levou uma vida normal como qualquer cidadão e não teve dificuldades financeiras.
Faleceu em Angola 1875, com a idade de 57 anos e foi sepultado na aldeia de Xissa a cerca de 50 quilómetros de Malange.
Os nativos construíram uma espécie de mausoléu na sua sepultura e passados muitos anos ainda lhe faziam romagens de veneração.
Diziam os nativos mais antigos, os que o tinham conhecido, que estava sempre pronto a ajudar os mais necessitados.
Como se pode reconhecer, na altura do assalto à taberna de Manuel Pais, na Palhota, “Zé do Telhado” havia falecido há mais de 65 anos!
Arquivos Oficiais
Localização do registo de baptismo de José Teixeira da Silva
(1818)PT-ADPRT-PRD-PPNF-07-0010006_m00050 tif.
Localização do registo de casamento de José Teixeira da Silva
1845) PT-ADPT-PQR-PTSD-04-002-0004_m_00124 tif.                  

                                                                                                                            José Manuel Cebola Março2018                                              

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