A última Rainha de Portugal.
Dona Amélia de Orleães e Bragança (1865 – 1951)
Porque não recordar?
Foram tantas as vezes que
por aqui passou, de comboio, fazendo o percurso de Lisboa para Vila Viçosa e
vice - versa, entre Janeiro de 1887 e Fevereiro de 1908.
A primeira viagem, ainda
como Princesa, acompanhada do marido o Príncipe D. Carlos, a caminho de Vila
Viçosa, sete meses após a sua chegada a Portugal e já grávida do seu primeiro
filho, Luís Filipe.
Naquele dia, o céu estava
azul, aquele azul de que gostava tanto em Portugal. Olhava
pela janela do comboio, colocava a mão contra o vidro e sentia-a gelar.
- "Que frio deve estar lá
fora!".
Esta era a primeira viagem
que fazia desde que chegara a Portugal, e conhecer Vila Viçosa era um desejo de
há muito.
Na estação de Pinhal Novo.
No regresso de Vila
Viçosa, por vezes haviam paragens programadas em Pinhal Novo.
Em algumas dessas
paragens, a estação de Pinhal Novo servia como sala de recepção à Rainha D.
Amélia.
As autoridades concelhias
deslocavam-se a Pinhal Novo para apresentarem cumprimentos a Sua Majestade e,
fazer os pedidos de ajuda para as suas obras. O povo, vinha ver e saudar a sua
Rainha. Assim aconteceu no dia 19 de Maio de 1890.
As notícias da época,
contam que nessa segunda - feira do mês de Maio de 1890, a Rainha D. Amélia
que se deslocava de Vila Viçosa com destino a Lisboa, foi recebida na estação
de Pinhal Novo com grande regozijo.
A recepção foi organizada
pela Câmara Municipal de Setúbal.
Estiveram na estação de
Pinhal Novo a apresentar cumprimentos, o Administrador do Concelho de Setúbal,
o Vigário Geral de Setúbal, o prior da freguesia de São Pedro de Palmela,
Monsenhor Manuel Inácio Simões, mais clero, e muito povo, principalmente vindo
de Setúbal e Palmela.
Nessa ocasião, foi entregue
a Sua Majestade uma petição assinada pelo capelão Theodoro de Sousa Rego, Cristóvão Augusto Gomes Ribeiro e
Manuel Miranda Roldão, Irmãos da Irmandade de São José, na qual pediam um
donativo para as obras da capela de Pinhal Novo.
As origens da Rainha D. Amélia.
Maria Amélia Luísa Helena
de Bourbon Orleães, nasceu em Twickenham, Inglaterra, no dia 28 de Setembro do
ano de 1865. Filha de Luís Filipe de Orleães, conde de Paris e de Maria Isabel
Francisca de Assis.
O seu bisavô paterno (Luís
Filipe 1773-1850) foi o último rei de França. Abdicou da coroa durante a
revolução de 1848, em favor do neto Luís Filipe conde de Paris, que no entanto
nunca chegou a ser rei, porque os acontecimentos se precipitaram e a família
Orleães foi expulsa de França. Só em Junho de 1871, puderam regressar ao país.
No Palácio de Chantilly, em Janeiro de 1886.
Foi em França, no Palácio
de Chantilly, que o príncipe D. Carlos de Bragança, conheceu pessoalmente Maria
Amélia, filha do conde de Paris.
Henrique de Orleães, duque
de Aumale, tio de Maria Amélia, convidou o príncipe D. Carlos para caçar em
Chantilly, e passar uns dias no Palácio. Entretanto, informou a sobrinha de
quais os propósitos do convite endereçado ao príncipe D. Carlos e de tudo o que
iria ser feito para que ela pudesse conhecer o seu provável marido e dar ou não
o seu acordo ao possível casamento.
Tudo correu pelo melhor, e
depois dos primeiros contactos, trocaram olhares comprometidos e algumas frases
formais. O facto de ambos saberem os motivos porque Carlos ali se encontrava,
tornava difícil “à vontade” maior para os primeiros contactos. No convívio que
foi acontecendo nos dias seguintes, ambos se encantaram.
Já o fim do mês de Janeiro
estava próximo quando o príncipe voltou a Paris desejoso de apressar o casamento.
Tudo tinha sido bem urdido
pela tia-avó de Maria Amélia de nome Clementina, e pela mãe de Carlos, a rainha
Maria Pia de Portugal.
O Noivado
O noivado foi passado até
ao mês de Maio em Canes, na doce Cote d’Azur.
O pedido de casamento foi
redigido por Andrade Corvo e assinado por Sua Majestade, D. Luís. O encarregado
de regularizar o contrato foi António Serpa Pimentel que se deslocou a França
para tratar dos pormenores.
Não se podia ter escolhido
melhor princesa, para noiva do futuro rei. Ela ia fazer vinte e um anos em 28
de Setembro daquele ano, exactamente no mesmo dia em que o futuro esposo
completaria vinte e três.
Maria Amélia fora educada
pelos Orleães, de maneira a comportar-se na vida sem os alardes tão pródigos na
realeza, embora em coisa alguma se desviasse do aprumo real da sua raça.
Tinham-na criado como a
uma senhora da época, em que se devia viver desviada do arreigamento exagerado
dos preconceitos nobres e, em obediência à preceptora, que alimentava em seu
espírito as teorias do liberal conde de Paris.

Maria Amélia parte de Orleães a 17 de Maio de 1886
A princesa partiu para Portugal, em comboio, preparado para essa viagem. Maria Amélia veio para Portugal acompanhada dos pais, tios, irmãos e outros familiares que assistiriam ao casamento no sábado 22. Num total de 57 pessoas entre familiares e servidores.
Chega à estação de Pampilhosa, em 19 de Maio de
1886.
«A estação da Pampilhosa
afestoava-se de galas; entrelaçavam-se os ramos de flores e buxo; grinaldas de
rosas vivas alegravam o espaço e esvoaçavam docemente as bandeiras dos dois países
junto dos escudos com as iniciais dos noivos e também enfeitavam o trem real. A
princesa foi a primeira a descer e D. Carlos dirigiu-se ao seu encontro. Estava
vestida de branco, com um chapéu azul; ele, fardado e de cabeça descoberta,
beijou-a na face ruborizada, ao som dos vivas, das palmas e do hino real,
tocado pelas músicas militares.
O 9 de Caçadores
apresentava as armas e a condessa de Paris, nas suas sedas negras, desceu da
carruagem, seguida pelo esposo para saudarem o futuro genro.
Foram rápidas as
apresentações na gare, e logo continuou a marcha para Lisboa onde os reis
aguardavam seu filho e a sua escolhida.»
O Casamento
O casamento celebrou-se em Lisboa na Igreja de São Domingos, a 22 de Maio de 1886.
"O noivo era muito esbelto, no seu uniforme de major de Lanceiros; a noiva no seu trajo branco de rendas magníficas, de cauda vasta.
O cardeal em voz segura, perguntava:
- Vossa Alteza Real, Carlos, duque de Bragança, quer tomar por sua esposa a Sua Alteza Real Amélia, princesa Amélia de Bourbon e Orleães?
- Sim Eminência.
- E Vossa Alteza Real, Amélia de Bourbon e Orleães, reconhece por seu legítimo esposo Sua Alteza Real, Carlos, duque de Bragança?
- Sim Eminência".
(…) "o povo descobrira-se, gabando a doce beleza de Amélia e o sol resplandecia quando entraram no Paço de Belém, a sua casa de noivos" (…)
A obra da Rainha D. Amélia.
Subiu ao trono como rainha
consorte de D. Carlos após o falecimento de D. Luís ocorrido em Cascais a 19 de
Outubro de 1889.
Foi notável o seu papel no
campo da assistência, da qual é mais relevante a criação da Associação Nacional dos Tuberculosos.
Fundou o Instituto de
Socorro a Náufragos.
Interessada pela
preservação das coisas históricas, em 1905 criou o Museu dos Coches.
A respeito de D. Amélia,
escreveu Bernardino Machado em 1901:
"A Rainha é tão boa que
não há miséria de que o seu coração generoso se não amerceie; e, por onde ela
passa, o seu doce sorriso reconforta as almas".
D. Amélia entregava-se
inteiramente ao serviço da caridade.
Depois do Dispensário de
Alcântara onde a infância desvalida encontrava o leite e os remédios, quisera
realizar a defesa dos organismos depauperados pela fome, acudir aos humildes
que a tuberculose atacava por todo o país.
Operários estafados pelo
trabalho, mal alimentados, dando-se aos prazeres do amor, geravam aquelas
criancinhas raquíticas, de grandes olhos nos rostos esmaecidos, como se
estivessem atraindo a morte.
A Rainha não conseguindo
acabar com os esfaimados e com a desigualdade social pretendia corrigir esta
eterna perversão.
A criação da Associação Nacional dos Tuberculosos.
"Aflita pelo que via nas
casas pobres, nos hospitais que percorria e ainda pela miséria que nos inúmeros
requerimentos que eu lia, e onde a tísica aparecia sempre como a nota mais
sombria, já há muitos anos o meu ardente desejo era dedicar-me ao serviço dos
tuberculosos.
Não precisando traçar o
horrendo quadro da mais mortífera e da mais frequente de todas as doenças, (…)
direi que vos reuni hoje aqui para fundarmos uma associação em que eu quereria
ver entrar todos os portugueses e a que chamarei Associação Nacional dos
Tuberculosos".
Com estas palavras a
rainha D. Amélia comovera os que chamara para a ajudarem na tarefa que queria
levar por diante.
Essa reunião presidida pela
Rainha, teve como segundo presidente da assembleia o Marquês da Praia de
Monforte, fidalgo de avultados bens. O lugar de primeiro vice-presidente, foi
ocupado pelo grande proprietário e lavrador, José Maria dos Santos e o segundo
vice foi o sábio doutor Silva Amado.
Começaram a fluir os
donativos para a grande obra. Recebiam-se as crianças doentes nos sanatórios de
Outão e de Carcavelos.
Desde a primeira hora, D.
Amélia dissera:
"Não esquecerei ainda o
que está na memória de todos; o apostolado que Sousa Martins fez do tratamento
dos tísicos pela acção benéfica dos climas; e, para que não se esqueça nunca
aquele que tanto trabalhou pelo bem dos nossos pobres tísicos, desejo que o
primeiro hospital que a nossa Associação fundar, tenha o nome de Sousa Martins".
E assim aconteceu. Sanatório
Doutor Sousa Martins, na cidade da Guarda.
A última passagem por Pinhal Novo
A última vez que passou
pelo Pinhal Novo, de regresso a Lisboa, aconteceu no fatídico dia 1 de
Fevereiro de 1908.
A meio da viagem, um
descarrilamento por altura de Casa Branca, provocou um atraso de mais de uma
hora. Mau presságio.
Já atravessavam o rio, num
dia gelado, e a Rainha olhava embevecida para o azul do sol que se punha no
ocaso. O mesmo brilho que vira na primeira deslocação pela planície alentejana
na viagem para Vila Viçosa, vinte anos antes. Estava junto do filho Luís Filipe
e mostrava-se muito nervosa.
O filho puxou-a
ligeiramente para si, e disse-lhe:
- "Percebo as suas
angústias, não sou criança. Há alturas em que tenho imenso medo. É claro que
ando armado mãe, e o pai também. Não podemos evitar os perigos, mas podemos
defender-nos dele".
D. Amélia assistiu
impotente ao assassínio de D. Carlos e de seu filho Luís Filipe, que tombaram
às balas assassinas de dois carbonários.
De novo o exílio
Com a implantação da
República, D. Amélia mais uma vez vai passar a viver exilada, depois de 24 anos
vividos em Portugal.
Numa praia da Ericeira, a
6 de Outubro de 1910, juntamente com o último rei de Portugal, seu filho D.
Manuel II, e na companhia de sua sogra D. Maria Pia, embarcou no iate Amélia
rumo a Gibraltar e daí rumo a Inglaterra.
D. Amélia de Orleães e
Bragança era uma mulher marcada pela tragédia quando embarcou rumo ao exílio.
Essa palavra maldita que tinha marcado a sua família e a sua infância,
continuava a persegui-la.
Fixou-se definitivamente, em França. Durante a
primeira guerra mundial, trabalhou na Cruz Vermelha, o que lhe valeu ser
condecorada por Jorge V de Inglaterra.
De regresso a Portugal, em 1945.
Voltou a Portugal, a
convite de António de Oliveira Salazar em Maio de 1945. Ficou instalada no
hotel Avis, onde Salazar a foi cumprimentar.
No dia 22 de Maio, visitou
o Palácio da Pena, exactamente 59 anos passados após o seu casamento com D.
Carlos.
Em Junho esteve em São Vicente de Fora
onde se recolheu junto aos túmulos de seus filhos e de seu marido.
Faleceu em Bellevue,
França, no dia 26 de Outubro de 1951, contava 86 anos.
O Governo português
declarou três dias de luto oficial.
O corpo foi trasladado
para Portugal em 6 de Novembro e colocado no Panteão de São Vicente.
José Manuel Cebola, Setembro de 2014
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