Quando Marcelo Caetano foi nomeado para
presidente do conselho, (27 de Setembro de 1968), já haviam tendências para contestar
o sindicalismo corporativo imposto desde 1933, e uma maior actividade do
movimento grevista onde se assinalara, meses antes, o caso da Carris.
(No
mês de Julho, os condutores da Carris recusaram-se a fazer a cobrança dos
bilhetes. Ao cabo de três dias, a Companhia capitula, aumentando o pessoal 20%...)
O ano de 1969, foi marcado desde o início
pelo movimento estudantil que se desenrola em Lisboa e em Coimbra e que teve a
sua maior expressão em 17 de Abril, quando o ministro da educação José Hermano
Saraiva e o presidente da República, visitaram a Universidade de Coimbra e a
palavra foi negada a Alberto Martins, da direcção da Associação Académica.
Também
se assinalam por esse ano de 1969 greves e contestações por todos os sectores. Aqui
perto de nós;
Movalto
e Fábrica das Baleias em Setúbal .Corticeiros em Alhos Vedros , Lisnave.
Os operários da CUF elaboraram uma carta reivindicativa onde reclamavam o fim
da guerra colonial, amnistia para os presos políticos, abolição das medidas de
segurança, extinção da PIDE, dos tribunais plenários, da censura, etc.
Greve
dos ferroviários, esta com um incidente ocorrido na estação de Pinhal Novo e
que não queremos que caia no esquecimento, pelo menos daqueles que se intitulam
de ferroviários...
A
greve iniciou-se após o almoço.
Dentro
da hora prevista para o início da greve, chegou à estação de Pinhal Novo um comboio
vindo de Praias de Sado. O maquinista, como aderente à greve, ficou com o
comboio parado na estação.
Então
não é que estava na gare um “maquinista” já preparado para “agarrar” no comboio
e levá-lo até ao Barreiro?
Quando
o comboio passou junto às oficinas do Barreiro, apitou que nem um desalmado, o
que deu alento aos engenheiros para pressionarem os operários que estavam em greve. E foi ver os
engenheiros com grande azáfama, insinuarem junto aos operários que afinal “lá
fora” todos estavam a trabalhar.
Claro
que a táctica que os engenheiros tentaram junto dos operários não surtiu
efeito.
Algum
tempo passado, esse indivíduo que tinha levado o comboio para Barreiro, dava
nas vistas, aparecendo como cabeça do grupo da UN em Pinhal Novo.. .
Comissão Democrática Eleitoral
A formação
da CDE de Setúbal nasceu de um processo político lógico, correspondente à
tomada de posição dos democratas, prevendo a entrada da oposição nas eleições
para deputados.
Em
Fevereiro de 1969 foi distribuído pela população um comunicado, alertando para
a necessidade dos cidadãos se inscreverem nos cadernos de recenseamento
eleitoral. Pretendeu-se, assim, despertar a consciência cívica dos habitantes
do distrito de Setúbal, ao abrigo duma esporádica oportunidade de intervir na
vida política do país.
A
acção desenvolvida acabou por enquadrar-se, posteriormente, num amplo Movimento
Democrático desencadeado à escala nacional e que traduzia a forma autêntica de
participação popular dentro dos princípios democráticos, expressos e aprovados
no documento denominado «Plataforma de S.
Pedro de Muel». Os pontos essenciais dessa síntese programática,
conrrespondiam aos mais prementes problemas sociais, económicos e políticos da
nação e a adesão resultou duma coerente opção ideológica....
Com
a finalidade de eleger os candidatos a deputados, efectuou-se em 16 de Setembro
de 1969, uma reunião distrital no Clube de Campismo de Setúbal, onde os membros
das comissões concelhias, votaram por escrutínio secreto, os democratas que
haviam de representar a lista candidata da CDE de Setúbal.
Essa
lista de candidatos a deputados oposicionistas, foi entregue no Governo Civil
de Setúbal em 24 de Setembro de 1969.
Entretanto
foi escolhido que a abertura da campanha eleitoral se fizesse com uma caravana automobilística, que se propunha
percorrer todas as terras do distrito.
O
Governo Civil proibiu o cortejo com o fundamento que se tratava duma
manifestação pública...pelo que apenas meia dúzia de automóveis se arriscaram a
partir e distribuir propaganda.
Manifesto dos Candidatos a
Deputados Oposicionistas pelo Círculo Eleitoral de Setúbal!
Ao Povo do Distrito de Setúbal
«Os
candidatos a deputados oposicionistas, cidadãos conscientes do dever que lhes
incumbe de participar activamente na resolução dos problemas nacionais,
dirigem-se neste momento a todo o eleitorado do Distrito de Setúbal para
explicar porque estão aqui e onde desejam chegar.
Nas
precárias e difíceis condições em que têm vivido os democratas nestes últimos
quarenta anos em Portugal, privados dos mais legítimos e constitucionais
direitos, só a força das suas convicções os tem unido e permitido resistir às
ciclópicas opressões impostas.
A
validade dos princípios democráticos é tão profunda e está tão enraizada na consciência
nacional que os constantes ventos da adversidade desencadeados pelo regime não
têm conseguido extinguir a seiva vivificadora que pulsa nos nossos ânimos.
Com
o sentido das responsabilidades que a actual conjuntura política reclama, as
grandes massas democráticas não puderam nem quiseram calar o seu grito de
presença, e surgem numa impetuosa força cívica, no terreno arbitrariamente
dominado pelo adversário, a apontar aqueles que consideram os autênticos
representantes do Povo Português.
Há
nesta manifestação espontânea das massas o comando exclusivo dos mais vibrantes
sentimentos patrióticos, que ninguém deverá ignorar ou pôr, honestamente, em
dúvida.
Não
podiam os democratas do distrito de Setúbal ficar indiferentes a uma tomada de
posição e logo aderiram a um «movimento» que traduz os anseios duma verdadeira
«causa nacional».
Algumas
vicissitudes e situações embaraçosas surgiram no processo de eleição dos
candidatos, havendo a preocupação de escolher os mandatários dentro dos moldes
que caracterizam a unidade democrática.
Por isso estamos aqui!
O
nosso passado político é não nos identificarmos com aqueles que têm actuado nos
quadros do regime; procuramos assentar na coesão e unidade democráticas o
sentido da nossa acção declarando-nos, desde sempre, fiéis ao espírito que
domina a Plataforma de São Pedro de Muel, cujos pontos respondem aos mais
instantes problemas políticos portugueses, e dos quais destacamos:
-
Exercício efectivo de todas as liberdades fundamentais (direito de reunião,
associação e livre expressão de pensamento, direito ao trabalho, direito à
habitação, direito à instrução e à cultura, direito à dignidade social);
-
Reforma das estruturas socio-económicas que permita uma melhoria das condições
de vida do povo português, com base num processo de desenvolvimento económico
no qual participem efectivamente todas as classes trabalhadoras;
-
Combate aos monopólios e latifúndios e à crescente penetração do capital
estrangeiro;
-
Liberdade sindical, com reconhecimento do direito à greve;
-
Reforma e democratização do ensino e autonomia das Associações de Estudantes;
-
Extinção da P.I.D.E. e dos tribunais plenários;
- Libertação
dos presos políticos e regresso dos exilados;
- Direito
dos povos das colónias à autodeterminação e consequente fim das guerras
coloniais;
-
Política de amizade e estabelecimento de relações económicas com todos os
povos.
Vamos
participar no acto eleitoral com a noção exacta do que nos é exigido e com a
antecipada certeza de que o Povo Português é merecedor de todos os sacrifícios,
encontrando-se nas expressivas atitudes de adesão, apoio e confiança, o mais
forte estímulo e incentivo para luta tão desigual. Dum lado, toda a organização
duma máquina burocrática e de repressão, a favor do adversário; do outro lado,
a força da justiça, dos anseios, das legítimas reivindicações, de que somos os
porta-vozes.
A
todo o eleitorado do distrito de Setúbal as nossas saudações democráticas».
Os Candidatos da CDE pelo Distrito de
Setúbal.
(em Outubro de 1969)
José
Malheiros da Silva – médico;
natural de Venade, concelho de Caminha; 42 anos. Radicado há 10 anos no
distrito de Setúbal, tem exercido clínica nos concelhos de Seixal e Almada.
Aderiu ao MUD Juvenil e participou activamente no movimento associativo
académico de Coimbra. Em 1949 participou na campanha de candidatura do General
Norton de Matos e em 1951 foi um dos promotores da candidatura do prof. Rui
Luís Gomes. Apoiou igualmente a candidatura do Dr. Arlindo Vicente e depois a do
General Humberto Delgado.
Álvaro
Ribeiro Monteiro – 27 anos;
natural do Barreiro onde reside. Fez estudos secundários nesta vila, foi
ferroviário e empregado bancário; recentemente desempenhou funções directivas
no sector de organização e produtividade de uma empresa industrial.
Actualmente, é agente técnico de engenharia e estudante do Instituto de Estudos
Sociais de Lisboa. Foi dirigente da Associação Académica do Barreiro no ano de
1963. Esteve ligado ao movimento associativo da Associação dos Estudantes do
Instituto Industrial de Lisboa.
José
António Tavares da Cruz – Nasceu
em Setúbal há 33 anos. Economista, licenciado pelo Instituto Superior de
Ciências Económicas e Financeiras de Lisboa, em 1965, foi professor da escola
Técnica de Almada, cargo que desempenhou com exemplar competência. Enquanto
estudante, foi dirigente das Associações Académicas do Instituto Comercial de
Lisboa e do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, tendo
desempenhado nesta última os cargos de secretário, presidente da direcção e
presidente da assembleia-geral. Em 1958 representou a Associação Académica do
I.S.C.E.F. no Congresso da Association International dês Étudiantes em Sciences Economiques
et Comercialles realizado em Barcelona.Foi um dos sócios fundadores do
Cineclube de Setúbal.
Joaquim
Palmeiro Gonçalves – natural de
Grândola. Foi vice-presidente do Sport Club Grandolense e foi membro do
conselho Geral de Voluntários da Associação Académica da Faculdade de Direito
de Lisboa. Em 1958 apoiou a campanha de candidatura do General Humberto
Delgado. Actualmente é assistente social do Ministério da Justiça.
A CDE em Pinhal Novo
No princípio do mês de Setembro de 1969, foi
criado em Pinhal Novo ,
um grupo, que teria a seu cargo a dinamização de todo o trabalho para a
organização de um comício que foi programado para o dia 21 de Outubro e onde estariam
presentes alguns candidatos da Oposição democrática.
Para dar andamento à preparação do
comício, na noite de domingo de 28 de Setembro de 1969, na Sociedade
Filarmónica, antes do início de uma sessão de cinema, um elemento do grupo de
trabalho da CDE de Pinhal Novo, dirigiu-se ao presidente da direcção da
colectividade a quem entregou uma carta. Essa carta, originária da CDE de
Setúbal, fazia o pedido à direcção da Sociedade da cedência do salão de festas,
para a realização de uma sessão de esclarecimento da Oposição, no dia 21 de
Outubro de 1969, à noite.
Resolução da direcção da SFUA
No
dia seguinte, em reunião de direcção, o presidente apresentou a carta aos
restantes elementos da direcção da SFUA, alvitrando que devido ao melindre da
situação, o assunto ficasse para ser estudado na reunião a efectuar no próximo
dia 3 de Outubro; informando ainda que ia contactar o senhor presidente da
Assembleia-geral, solicitando a sua comparência.
No
dia 3 de Outubro, tudo acabaria por ficar na mesma. O presidente da direcção
comunicou aos restantes elementos, que havia falado com o presidente da
Assembleia e que haviam chegado à conclusão que a situação era bastante
inibidora para a colectividade.
Na
continuação da reunião, e depois de ponderados variadíssimos factores,
inclusive os subsídios recebidos de entidades oficiais, foi alvitrado que
ficasse para a próxima reunião a realizar em 8 de Outubro próximo, a resolução
do assunto.
Quem
começou a ficar impaciente com o arrastar da situação, foi o grupo de trabalho
da Oposição de Pinhal Novo, que havia garantido em Setúbal, quando da reunião
para a escolha das localidades em que se realizariam comícios da CDE, que
poderiam programar o comício para Pinhal Novo, porque não haveria problema com
o local.
Só
que o tempo ia passando, e aquilo que todos julgavam ser de fácil resolução,
afinal estava complicado por causa dos receios da direcção. (convenhamos que
naqueles tempos não era nada fácil tomar posições que fossem opostas ao regime vigente)
Mas havia que resolver o impasse. A melhor
solução que se encontrou foi a de formular um pedido para a realização de uma
assembleia extraordinária, o que foi conseguido com a assinatura de 26 sócios
da SFUA. Foi a solução mais rápida e mais fácil, até porque todos os que
estavam no grupo de trabalho eram sócios da SFUA.
Quando no dia 8 de Outubro, a direcção se
reuniu, deve ter respirado de alívio, ao tomar conhecimento do pedido para a
realização da Assembleia. (infelizmente esse documento com as 26 assinaturas,
não se encontra no acervo da SFUA...)
A
Assembleia foi marcada para o dia 14 de Outubro de 1969.
Assembleia-geral extraordinária.
“Aos catorze dias do mês de Outubro do ano de
mil novecentos e sessenta e nove, pelas vinte horas e trinta minutos, reuniu na
sua sede, em Assembleia Geral
Extraordinária da Sociedade Filarmónica União Agrícola de
Pinhal Novo, com a seguinte ordem de trabalhos:
«Autorização
para a cedência da Sala à Comissão Democrática Eleitoral do distrito de
Setúbal, para uma sessão de propaganda eleitoral».
Presentes
os seguintes membros da Mesa:
-Álvaro
José da Costa Tavares, presidente.
-Rui
da Costa Xavier, vice-presidente.
-António
Jacob Abelho Franco, 1º secretário.
-Arnaldo
Francisco Mendes, 2º secretário.
-Júlio
do Carmo Basílio, escrutinador.
Aberta a sessão e verificando-se não haver
número de sócios presentes para legalmente funcionar, foi imediatamente
encerrada e reaberta uma hora depois, conforme determinam os Estatutos e de
acordo com os avisos convocatórios distribuídos.
Reaberta a sessão, o presidente da Mesa
pediu a dispensa da leitura da acta da sessão anterior, o que foi aprovado por
unanimidade, seguindo-se a assinatura da mesma acta.
Posteriormente passou-se ao assunto da
Ordem de Trabalhos.
Pelo presidente da Mesa foi dado
conhecimento à Assembleia de que a direcção tinha recebido uma carta da
Comissão Democrática Eleitoral, também conhecida pelas iniciais CDE, do
distrito de Setúbal, solicitando a cedência do Salão de Festas da nossa
colectividade para levar a efeito uma sessão de propaganda eleitoral. Como os
Estatutos não dizem nada sobre estas manifestações, o presidente da direcção
tinha contactado com ele, presidente da assembleia Geral, que por sua vez
contactou com o Presidente da Câmara Municipal de Palmela, sendo informado por
esta entidade de que o assunto só dizia respeito à Sociedade.
Enquanto este assunto estava a ser
estudado pela direcção, o presidente da assembleia-geral, recebeu um pedido
assinado por vinte e seis sócios, os quais pediam a convocação de uma assembleia.
Dado que a direcção não se sentia com poderes para ceder a sala ou recusar, foi
convocada esta Assembleia-geral Extraordinária, esperando-se que os associados
presentes se pronunciassem sobre a cedência da sala à dita CDE de Setúbal.
Após terem sido pedidos alguns
esclarecimentos, aos quais foram dadas as respostas por parte do presidente da
assembleia geral, foram distribuídas por todos os sócios presentes com direito
a voto, listas onde estavam impressas as palavras SIM e NÃO, devendo os
associados responder de acordo com a sua vontade, riscando o que não lhe
interessasse.
Após recolha das listas, procedeu-se à sua contagem,
verificando-se a entrada na urna de noventa e sete listas, sendo que noventa e
seis (com SIM) concordavam com a cedência da sala e uma com (Não) não concordava
portanto com a cedência da sala.
Em face deste resultado, ficou a direcção
de responder à CDE sobre a resolução tomada e deliberar as devidas resoluções
que se tornassem necessárias.
A seguir, o presidente da Mesa agradeceu a
boa ordem em que tinham decorrido os trabalhos.
E não havendo mais assuntos a tratar, o presidente
deu por encerrada a sessão, da qual se lavrou a presente acta que depois de
lida e aprovada, será assinada por todos os membros presentes também por mim, 1º
secretário, que a redigi”.
No
dia seguinte, 15 de Outubro, no Casino Setubalense, onde ia decorrer um comício
da Oposição, foi feita uma pequena reunião onde se pormenorizou aquilo que
seria levado a efeito em
Pinhal Novo no dia 21 de Outubro, data do comício, que ocorreria
5 dias antes da votação.
No
dia 20 de Outubro, o comício teve lugar no Montijo.
Foi necessário que o grupo de Pinhal Novo, se
deslocasse ao Montijo e trouxesse os dísticos que no dia seguinte iriam servir
para compor o palco da Sociedade Filarmónica. Essas “viagens” para ir buscar
uns simples dísticos, eram feitas com algumas cautelas.
Escrever
hoje, passados 48 anos e alguns meses, que transportar uns simples dísticos com alusões
à liberdade sindical, libertação dos presos políticos, extinção da PIDE, etc..
era perigoso, pode parecer excessivo, mas quem viveu esses tempos certamente
recorda como era difícil.
Como
nota, para ilustrar o que acaba de ser escrito, diremos que quando foi
necessário ir buscar os boletins de voto ao Barreiro, a casa de Manuel Cabanas, que vivia junto ao parque, foi necessário utilizar
estradas “velhas” para evitar as operações “stop” da G.N.R.. Quem fosse
apanhado nessas operações e se levava consigo os boletins de voto, de certeza
que ficava sem os ditos e depois não havia hipótese de alguém votar.
O
meio de transporte utilizado foi um Jeep de cor cinzenta DI-33-33,
propriedade de Joaquim Tomé Lopes.
C.D.E.
SESSÃO DE ESCLARECIMENTO
DIA 21.OUT.1969, ÀS 21.00
SOCIEDADE FILARMÓNICA UNIÃO AGRÍCOLA
PINHAL NOVO
A noite do comício
E
o dia 21 chegou. Nove
horas da noite.
A sala da Sociedade estava a abarrotar de
tanta gente para ouvir os candidatos da oposição. Nas coxias, muita gente de
pé. Misturados viam-se alguns “bufos”. (Em muitas reuniões, foram “passados” os
nomes dos informadores que existiam em Pinhal Novo para que todos pudessem estar de
sobreaviso).
No palco, sentado no lado direito, um
tenente da GNR, como representante do Governo Civil de Setúbal de perna
cruzada, com o bengalim a “acariciar” o cano da bota reluzente, e que tinha como
missão suspender a sessão quando a “conversa” não lhe agradasse. Também tinha o
controlo do tempo para mandar encerrar o comício à meia-noite.
O
último orador da noite, foi o Dr. José Malheiros que arrebatou a assistência,
com o seu fervor patriótico.
Nessa
sessão, foi escolhido para delegado da CDE ao acto eleitoral a realizar em Pinhal Novo , Darvim
Rogado Borges.
Depois
de terminado o comício, ficaram a faltar quatro dias, para a votação.
Esse
período de tempo, serviu para tentar sensibilizar os possíveis votantes, a
optarem por votar na oposição.
Era
necessário encontrar os cidadãos que estavam inscritos nos cadernos eleitorais,
mas a tarefa era difícil porque muitos dos nomes correspondiam a pessoas já
falecidas.
Dia da Votação, 26 de Outubro de 1969.
No dia da votação por volta das 8,30
horas, alguns elementos do grupo de trabalho da Oposição, na tentativa de
entregarem alguns boletins de voto, colocaram-se em pontos estratégicos dos
acessos à Junta de Freguesia, único local onde funcionava a mesa de voto, na
esperança de que alguns cidadãos que se encaminhavam para votar, e que ainda
não tinham a lista da Oposição a pudessem receber.
No entanto, muitos passavam e não
aceitavam aquele rectângulo de papel com as dimensões de 16x20, que
tinham impressos os nomes dos quatro candidatos da Oposição.
Nessa mesma altura, a partir das oito
horas da manhã, os apoiantes locais da UN, tinham posto a funcionar um
autocarro que transportava as pessoas de Rio Frio para Pinhal Novo. Em Rio Frio à entrada do
autocarro, o cidadão tinha que mostrar o voto da UN, caso contrário não tinha
direito a boleia. Essa hipótese estava prevista e alguns que vieram nesse
autocarro também tinham o voto da Oposição.
Naquela
época, a responsabilidade pela entrega dos boletins de voto, era dos apoiantes
das respectivas listas concorrentes, (se bem que os votos da UN estivessem a
ser distribuídos por elementos dos quadros da junta de freguesia, alguns desses
elementos da junta faziam também a distribuição de alguns votos da oposição,
sempre que o cidadão a quem se dirigiam “era de confiança”).
Caderno de acta.
Distrito de Setúbal –
Concelho de Palmela
Freguesia de Pinhal Novo
Assembleia de voto de Pinhal
Novo
ACTA DA ELEIÇÃO DE DEPUTADOS
Á ASSEMBLEIA NACIONAL
ANO DE 1969
Termo de Abertura
Há-de
servir este caderno para nele se lavrar a acta das operações de votação e
apuramento dos candidatos a deputados na Assembleia supra, a realizar no dia 26
de Outubro de 1969, de harmonia com o Decreto nº 49 217 de 1 de Setembro do ano
corrente.
Câmara
Municipal do concelho supra, 20 de Outubro de 1969. O Presidente da Câmara.
ACTA
“Aos
vinte e seis dias do mês de Outubro de 1969, no edifício da Junta de Freguesia
de Pinhal Novo, concelho de Palmela, distrito de Setúbal, designado nos editais
publicados para nele se reunir a Assembleia Eleitoral de Pinhal Novo, que
abrange mil quatrocentos e vinte e nove eleitores da freguesia de Pinhal Novo,
a fim de votarem na eleição dos Deputados à Assembleia Nacional, pelas nove
horas compareceu o cidadão José Marques Gonçalves no estado de casado, de
profissão professor Primário Oficial, de 31 anos de idade e residente em Pinhal Novo , na
qualidade de Presidente efectivo para que foi nomeado pelo Exmº. Governador
Civil do Distrito, conforme alvará de 16 de Outubro de 1969, que exibiu em
forma legal. E depois de declarar que fora nomeado para desempenhar aquelas
funções, de harmonia com o dito alvará, apresentou os cadernos de chamadas, de
actas e os mais documentos legais para a realização do acto eleitoral.
Seguidamente
o sr. Presidente, verificando ser a hora fixada na lei, constituiu a mesa de
entre os cidadãos eleitores presentes, por si escolhidos e que ficou assim
formada:
Presidente
da Mesa, José Marques Gonçalves.
Secretários,
Octávio Pereira Gião e Casimiro Gomes.
Escrutinadores,
Feliciano José e Arnaldo Francisco Mendes.
Suplente,
Claudino Fernandes Branco.
Exibindo
o alvará previsto no § 1º, do artº 32º do Decreto nº 37 570, apresentou-se o
sr. Delegado da União Nacional, Luís Jorge Petinga, na qualidade de delegado da
lista A a quem o presidente da mesa indicou um lugar próximo; o mesmo sucedeu
com o delegado da lista B, Darvim Rogado Borges que tomou o lugar indicado pelo
sr. Presidente.
Colocada
a urna sobre a mesa, o sr. Presidente declarou que os boletins de voto deviam
ter o formato rectangular com as dimensões de 16 por 20 centímetros ,
serem em papel branco, liso, sem marca, designação ou numeração externa e
conter os nomes e profissões dos candidatos a seguir à designação alfabética
que lhes tiver sido atribuída na publicação oficial, devendo ser entregues
dobrados em quatro, sob pena de, não obedecendo a esses requisitos, não serem
recebidos ou não serem considerados no apuramento.
Declarou
ainda que seriam admitidos a votar os eleitores inscritos nos cadernos e todos
os que se apresentassem com certidão de eleitor, podendo votar, de entre eles,
os oficiais do exército no activo. E mandou sair da sala todos os cidadãos não
eleitores”.
A
votação decorreu entre as 9,15 e as 17,00 horas.
Terminada
a votação dos eleitores que às dezassete horas se encontravam no interior da sala,
votaram os membros da Mesa e os delegados presentes das listas em sufrágio,
após o que o Presidente declarou encerrada a votação.
Foi
em seguida contado o número de votantes em presença das descargas e apurou-se
que tinha sido de quatrocentos e quarenta e oito.
Foram
depois contadas as listas entradas na urna e verificou-se que o seu número era
de quatrocentos e quarenta e oito.
Feita
a contagem, as listas foram de novo metidas na urna, os membros da Mesa
rubricaram os cadernos das votações e os secretários fecharam e lacraram cada
caderno em seu maço.
Procedeu-se,
depois ao apuramento dos votos, para o que o Presidente tirava da urna, uma por
uma, as listas nela contidas, desdobrava-as, e as entregava ao escrutinador,
que as lia em voz alta, fazendo os secretários a contagem por anotação em lista
própria, escrevendo adiante da designação correspondente a cada lista os votos
que esta obteve e sinalizando, adiante dos nomes dos candidatos que a compõem,
os votos negativos que lhe respeitam. Terminado o apuramento, verificou-se:
Ter
a lista A abaixo transcrita, obtido duzentos e dezanove votos, e ter cada
candidato obtido os votos que a seguir ao respectivo nome vão indicados:
Luísa
Pereira Beija, 217
Miguel
Pádua Rodrigues Bastos, 219
Olímpio
da Conceição Pereira, 213
Rogério
Noel Peres Claro, 217.
Ter
a lista B abaixo transcrita, obtido duzentos e vinte e nove votos, e ter cada
candidato obtido os votos que a seguir ao respectivo nome vão indicados:
Álvaro
Ribeiro Monteiro, 229
Joaquim
Palmeiro Gonçalves, 229
José
António Tavares da Cruz, 229
José
Malheiro da Silva, 229.
Do
apuramento assim obtido se fez um resumo de onde consta o número de votos
obtidos por cada lista e por cada candidato nela inscrito.
Imediatamente
foi tornado público, por edital, o número de votantes, o número de votos de
cada uma das listas submetidas ao sufrágio e o dos votos de cada candidato.
Em
consequência do que foi considerada eleita a lista B.
Foram
passadas certidões do número de votos de cada uma das listas, requeridas pelos eleitores:
Duas
certidões requeridas pelo eleitor Darvim Rogado Borges.
Não
foram apresentados protestos, contra protestos, reclamações nem surgiram
quaisquer dúvidas.
Para
constar e efeitos legais, se lavrou a presente acta, em duplicado, a qual,
depois de lida em voz alta por mim Casimiro Gomes, secretário, vai ser assinada
pelo presidente e membros da mesa.
José
Marques Gonçalves
Feliciano
José
Octávio
Pereira Gião
Arnaldo
Francisco Mendes.”
***
Na
freguesia de Pinhal Novo, haviam 1429 eleitores inscritos. Votaram 448.
A Lista A, (União Nacional), obteve 219
votos.
A Lista B, (CDE), obteve 229 votos.
Aconteceu
aquilo por que haviam trabalhado os democratas de Pinhal Novo.
Apesar de todas as dificuldades, das quais
uma das mais marcantes neste acto eleitoral, foi sem dúvida a falta de
informação sobre quem estava recenseado, valeu bem a pena todo o trabalho desenvolvido
e que permitiu derrotar a UN no nosso sítio.
Depois dos votos contados, o delegado
eleitoral da Lista B, pediu uma certidão confirmativa da votação.
“Senhor Presidente da Mesa da Assembleia
Eleitoral da Freguesia de Pinhal Novo:
Requeiro
que me seja imediatamente passada e me seja entregue certidão da contagem do
número de votantes desta secção e dos votos de cada uma das listas submetidas
ao sufrágio, e de cada candidato”.
26
de Outubro de 1969
O
delegado eleitoral da Lista B.
Darvim
Rogado Borges.
Votação no concelho de Palmela
Dos
3 884 inscritos no concelho, só votaram 1019, o que correspondeu a uma
percentagem de 26,2 %.
Na
freguesia de Pinhal Novo, a lista B (oposição) obteve 51,1 % dos votos.
Comparando
com o resto do concelho, a oposição obteve em Pinhal Novo mais do
dobro dos votos obtidos pelas outras três freguesias juntas...
Pinhal
Novo................229 votos na CDE
Resto
do concelho..... 112 votos na CDE
Votação
nas Freguesias
Freguesia de Pinhal Novo
Lista
A, 219 votos.
Lista
B, 229 votos.
Freguesia de Palmela
Lista
A, 226 votos.
Lista
B, 75 votos.
Freguesia de Quinta do Anjo
Lista
A, 168 votos
Lista B, 29 votos.
Freguesia de Marateca
Lista A, 65 votos.
Lista B, 8 votos.
Depois de 26 de Outubro de 1969, as
expectativas dos portugueses saíram frustradas.
Aquilo que o “Marcelismo” prometia, e em
que tantos depositaram esperanças, depressa se tornou num logro igual ao vivido
até aí pelos portugueses.
*****
JoséManuelCebolaJaneiro 2018
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