O BARBEIRO VIRGOLINO





Virgolino Repas dos Santos (1906-1951)

Nasceu no dia 3 de Fevereiro de 1906 na vila e concelho de Aldeia Galega do Ribatejo.
Era filho de José Joaquim dos Santos, lojista e de Ana Repas, ambos naturais da vila de Alcochete. 
Foram seus padrinhos de baptismo, Viriato Rodrigues Simões e Alda Carolina Simões.


O barbeiro Virgolino
Não temos informação que nos permita escrever em que data  Virgolino Repas terá chegado a Pinhal Novo.
Podemos supor, ter sido por influência de seu padrinho de baptismo, Viriato Rodrigues Simões, também barbeiro e do qual temos notícia de se encontrar em Pinhal Novo no ano de 1913, conforme  anotado em acta de uma reunião da Irmandade, efectuada na sacristia da capela de São José de Pinhal Novo a 20 de Abril. O senhor Viriato Simões, também aparece no elenco da direcção de uma colectividade chamada «Grupo Dramático 1º de Julho» a assinar o primeiro balancete da sociedade, em 30 de Julho de 1914, constando no registo de sócios com o nº 1, tendo sido admitido em 25 de Julho de 1914 e fazendo parte da direcção da colectividade fundada nesse mês e ano.
Poderá ter sido o senhor Viriato o ‘fundador’ da barbearia que se situava na esquina da estrada dos espanhóis com a rua que hoje tem o nome de Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Pode presumir-se, que depois de entrar para os caminhos-de-ferro onde desempenhou o cargo de contínuo, o senhor Viriato Simões tenha deixado o estabelecimento ao cuidado de seu afilhado Virgolino Repas.
Viriato Simões, era casado com a senhora Josefina Rodrigues, que ensinava “a ler, escrever e contar”. O casal, morava no prédio do senhor Luís Brinca, que confinava com a casa onde estava o estabelecimento de barbearia.
No ano de 1922, quando Virgolino Repas dos Santos era um jovem de 16 anos, uma sua irmã, de nome Emília, fez parte do grupo de senhoras que constituíram uma comissão para arranjar verba destinada à feitura do primeiro estandarte para a «Sociedade União Agrícola».  
Um outro elemento desta mesma família, conhecido por professor “Saro” ensinava as crianças, para as bandas da Lagoa da Palha. O seu nome correcto era José Repas dos Santos, sendo irmão mais velho de Virgolino. 
(Para que não se gerem confusões com quem queira seguir o processo, deixo anotado que, antes deste Virgolino que foi barbeiro, houve um outro irmão também baptizado com o nome de Virgolino, que nasceu em 15 de Fev. de 1896 e  faleceu em  Maio de 1905). 

Da actividade associativa do senhor Virgolino em Pinhal Novo, existe o testemunho de duas eleições para os corpos dirigentes da S.F.U.A., no ano de 1926 como vogal da direcção e, em 1927 para o cargo de 2º secretário da assembleia-geral.


A barbearia do senhor Virgolino situava-se por um invulgar sortilégio em frente da “Mitra”, e fazia esquina para o talho que ostentava um enorme letreiro publicitário em esmalte bem polidinho e brilhante e com um enorme e anafado porco desenhado. Era o talho do senhor Gama.
Na “Mitra”, a famosa taberna gerida pelos irmãos Azougado era o local onde o senhor Virgolino afogava as suas penas e mitigava a sede de vingança para com a madrasta sorte que o abandonara.
Todavia, isso não o impedia de, por vezes, manifestar a mordacidade da sua ironia.
Um dia, – e essa história ficou famosa – o senhor Virgolino defrontava-se com um exigente e fedorento cliente de fim de semana e mais o seu arrevesado e farfalhudo bigode... corte aqui, apare ali, mais baixo, agora foi de mais, um pouco aí desse lado, etc., etc.,.
A paciência do senhor Virgolino estava a atingir o ponto de explosão! Com uma calma arrepiante, parou o serviço, foi buscar papel e lápis, e disse ao cliente:
- 'Desenhe aqui como quer esse lindo bigode e, enquanto o faz, eu vou ali beber um copo'.
O cliente estupefacto, com o lápis e o papel nas “unhas” e sem saber o que fazer, não desenhou coisa nenhuma acabando por “arrancar” dali para fora, bramindo como um possesso e nunca mais procurou os serviços e as manias do “Fígaro” da esquina da estrada dos espanhóis.
Era assim o senhor Virgolino. A sua forte personalidade não se tinha esvaído como se esvaíra o seu vigor físico. Ele não comia. Bebia, bebia e petiscava. Conservas e queijos secos e azeitonas e coiratos, tudo salgado ao máximo para “puxar” a pinga, era a sua dieta.
Era um fundamentalista na paixão pelo seu «Sporting»! Leão até ao infinito, até ao sonho e até à morte, o senhor Virgolino sentia uma obrigação de honra espalhar e cantar as façanhas futebolísticas que se viviam naqueles anos quarenta por acção da arte e do poderio dos “violinos” verdes e brancos.
E um dia, o senhor Virgolino ouviu dizer que o Sporting ia jogar em Pinhal Novo, contra o grupo «Os Vencedores». 
Era verdade, sim senhor. O Sporting andava a “namorar” um futebolista daquele grupo. Vira-o jogar no Lumiar-A, numa manhã chuvosa e lamacenta, em Outubro de 1949.
Nesse jogo particular, com uma equipa júnior do Sporting de que era treinador Fernando Vaz que também foi quem dirigiu o encontro. Quando chegou ao tempo limite os rapazes de Pinhal Novo venciam por 2-0!
É claro, o “árbitro” prolongou o jogo com dois objectivos; evitar a derrota e acima de tudo, observar e estudar as potencialidades do futuro “crack” para o Sporting que estava jogando “como gente grande”. Marcara as duas “batatas” e ajudava com uma garra e enorme categoria a defesa da sua equipa contra a avalanche atacante leonina.
No final do jogo que acabou empatado a duas bolas, o senhor Fernando Vaz foi ao balneário dos rapazes de Pinhal Novo para saber coisas e dar ânimo.
A sua atenção estava centrada no marcador dos dois golos da rapaziada de Pinhal Novo, que o impressionou muito bem. Teria que ser jogador do Sporting! E foi. E logo ali, nesse balneário ficou aprazado um jogo de retribuição a efectuar em Pinhal Novo, em data logo combinada.
Em troca só queriam almoço para os jogadores, treinador e roupeiro.
A malta de «Os Vencedores» não tinha dinheiro para extravagâncias dessas. Não tinha sócios para além dos próprios jogadores. Não tinha direcção, era tudo resolvido colegialmente! A única coisa que tinha era a juventude, o prazer de viver e a liberdade de fazer o que gostava.
Assim, o problema foi resolvido com a publicidade de porta em porta, sobre a grande jogatana com o imenso e amado Sporting, que rendeu o suficiente para pagar a almoçarada aos “leões”.

O Sporting em Pinhal Novo
O senhor Virgolino foi um dos contribuintes para aquela almoçarada “leonina”. O seu encanto foi de tal ordem, que nesse dia não abriu a barbearia. Fez feriado. Pediu à rapaziada que lhe apresentasse o senhor Fernando Vaz e o indicassem a ele, Virgolino, como presidente do clube. Vestiu-se a rigor, fez-se encontrado no café do senhor Maximino Faria, onde os “leões” foram espairecer antes do jogo, desenrolando-se tudo conforme o seu desejo.
Foi um dia de suprema felicidade para o senhor Virgolino e o concretizar de um sonho que ele acalentava desde sempre. Agora já podia morrer, porque morria feliz.

E a vida acabou para o barbeiro Virgolino.
A vida era assim em Pinhal Novo. Para o senhor Virgolino ela estava a chegar ao fim. O sonho já fora. O seu dia-a-dia refinara-lhe os humores mais negros! Surtidas constantes aos balcões da “Mitra” e os correspondentes copos de vinho tinto, conservas e azeitonas, coiratos torrados e queijos “curados” em salinas, refinaram também a sua galopada para a meta.
Numa madrugada de quinta-feira, 19 de Abril de 1951, estava ainda escuro, os primeiros passantes pela rua da sua barbearia estranharam ver a luz acesa, que se projectava para a escuridão através das janelas abertas. E viram, estarrecidos, um corpo imóvel, pendurado no ferrolho de uma das janelas. 
Era o corpo do senhor Virgolino.
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Utilizei informações facultadas por Manuel Pisco que foi contemporâneo dos últimos anos de Virgolino Repas.


José Manuel Cebola,Novembro2017.




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